“Tudo o que existe tem um fim. Só vivemos porque em algum momento vamos morrer. As coisas podem começar porque em algum momento elas terminam. Inclusive, nossos desejos de que as coisas não terminem só existe porque sabemos que elas terminam.” (Suy, 2020)
Quando dissolvemos com um relacionamento amoroso rompemos com toda uma bagagem que vem atrelada a ele. E o que seria essa bagagem? Um relacionamento amoroso é uma dinâmica complexa e multifacetada que envolve diversos aspectos. Muitas vezes, um relacionamento amoroso representa um contrato social, sonhos e expectativas, investimento emocional e financeiro, planejamento de uma vida, intimidade física, compromisso e até uma identidade que é desenvolvida junto ao parceiro(a). Nesse sentido, quando um relacionamento amoroso chega ao fim, eu perco o meu papel em relação ao meu parceiro(a). Sendo assim, não ocorre somente o fim de um relacionamento amoroso, mas de uma parte de quem eu era, ou seja, perde-se parte de uma identidade.
O que é o luto?
A psicanalista Regina Elisabeth Lordello define o luto da seguinte forma: “O luto é principalmente a perda de uma perspectiva da vida, que pode ser uma ideia, um sonho ou até uma fantasia imaginária". O luto é um rompimento. E é importante termos em mente que o luto não acontece somente em casos de morte. Certos tipos de luto não são direcionados à morte, mas sim, para uma perda simbólica. Nesse sentido, esta perda pode vir a ser uma pessoa muito querida, com um vínculo afetivo, ou de um contato com uma experiência que você já estava habituado, como por exemplo, um trabalho, que resulta na perda de uma rotina. Sendo assim, existem várias perdas que se caracterizam pelo luto, não só a morte. E o rompimento de um relacionamento amoroso é uma delas.
Pensando no luto a partir do ponto de vista da psicanálise, Freud em seu texto “luto e melancolia” de 1917 apresenta a seguinte definição de luto: “O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante.”. Segundo Freud (1917), o luto profundo comporta um abatimento doloroso, ou seja, a perda de interesse pelo mundo externo e a perda da vontade de encontrar um novo amor. Isso ocorre, porque é difícil desinvestir de algo ou de alguém que se ama.
Freud definiu a libido como uma energia originada nas pulsões e que direciona nosso comportamento. Ou seja, no caso de um relacionamento amoroso que chega ao fim, existia todo um investimento em um relacionamento, que agora precisa ser direcionado para outra função e isso não ocorre de forma fácil e instantânea. Essa mudança de investimento de um objeto para o outro requer o que chamamos de trabalho do luto. E como o próprio nome já diz o processo do luto demanda muito trabalho. O luto nos exige uma dedicação, ou seja, é um processo ativo, feito aos poucos. (Freud, 1917)
O luto pelo término de um relacionamento amoroso é uma experiência complexa, que pode envolver a perda de sonhos, expectativas e uma parte da própria identidade. Esse processo, é mais do que simplesmente superar a ausência de um parceiro(a). O apoio de um psicólogo pode ajudar a navegar pelos estágios do luto, proporcionando elaborações para angústia, dor e vazio. A paciência e o tempo são essenciais, mas a terapia oferece apoio e manejo para a dor e sofrimento ao proporcionar um espaço seguro para a elaboração dos sentimentos.
Daniela Seraphim
Referências
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. Editora Cosac Naify, 2014.
SUY, Ana. A gente mira no amor e acerta na solidão. Paidós, 2022.